segunda-feira, janeiro 06, 2014

À Procura dos meus personagens


(Algumas notas sobre um breve Brasil)






1. Três anos fora do Brasil é viver como mergulhador sem oxigénio. A coisa pode dar para o torto e sofrermos de uma doença descompressiva. Mas eu aguentei-me à bronca (tentei), mergulhei várias vezes em apneia, por instantes, e fui capaz de voltar à tona sem grandes mazelas. Correu bem e nada acontece por acaso, como nadar na direção errada. A viagem ganhei-a por causa de outra viagem em 2012. Um passo atrás para dar outro à frente, eventualmente. Foi uma oferta de uma boa amiga que quis presentear-me e ao A. pelo nosso trabalho. Foi há um ano e este foi o ano possível de um Brasil. Eu fui primeiro. A. foi depois. Foi a viagem dentro da viagem.



2. Como todas as viagens, regressar ao Brasil está cheio de peripécias que podem pôr em causa a teoria de que nada acontece por acaso. Por exemplo, não entendo por que razão fiquei doente durante uma semana com um vírus qualquer, avassalador, de caixão à cova. Seria, enfim, um presente de boas-vindas irónico, uma quase vingança de São Paulo: “Estiveste este tempo todo sem cá vir, agora toma que bem mereces ficar de castigo”. “Pô, Sampa”, penso, “assim desfrutei um pouco menos de você.” Ela lá se terá arrependido e ao quinto dia deu-me trégua; mas nem tanto. O síndrome de estranheza não mais me largou. Era eu dentro de mim, era eu fora de mim. Um corpo dentro de um corpo. Há qualquer coisa de metacorporal no regresso ao Brasil. É viajar no tempo.



3. Eu vou ao Brasil à procura dos meus personagens. É que os meus personagens só podem ser brasileiros. Não há outro lugar onde tenha mulher que passeia com carrinho de bebé com um cão lá enfiado; ou vendedores de picolé à noite; homens que fazem dragões tão perfeitos que parecem de verdade debaixo dos arcos da Lapa; Clube de Leitura da Prosa na Baratos da Ribeiro, com um dono (aparentemente) antipático, temperamental, que vende clássicos da literatura brasileira a 3,5 reais e depois surpreende, oferecendo CD's da nova música brasileira à estrangeira; picanha no Cantinho do Leblon. Eu vou ao Brasil, apercebo-me, para ficar mais perto de mim, à procura dos personagens endógenos. Mas por que raio a vida me quer longe de mim, no meu país? É a identidade fora da identidade.



4. Ocorre-me que não fui ao BH, ao MAM, ao Ibirapuera. Enfim, há uma série de coisas que ficam para fazer quando se tem apenas um mês no Brasil. Há uma série de amigos que não estavam lá, há um pedaço de Sampa que já não existe, mas está lá; há uma lasca de tropicalidade que existe, mas não se vê. “O Barulho do Tempo” perdeu-se entre o Rio e Sampa, mas algo ficou em suspenso. Ainda deu para improvisar uma curta-metragem que precisa de tempo para ver a luz do dia. Resta-me agradecer aos anfitriões de sempre, tão longe-tão-perto; tão-iguais-tão-diferentes. A. e T., L. e A. Brasil, se fosses um filme, só poderias ter sido escrito e realizado por Woody Allen, com assistência certa de João Ubaldo Ribeiro (e outros coadjuvantes, que me perdoem os puristas). Afinal, é apenas isso: Viva o Povo Brasileiro! (E isto: tenho sempre de voltar ao Brasil).

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